Delação premiada, expressão até bem pouco
desconhecida, passou a fazer parte da agenda da Justiça. Confesso que, quando o
favor legal começou a ganhar manchetes, senti repugnância. Quando alguém manifestava
interesse em valer-se do benefício, vinha-me à mente a transmutação do
fundamento ético pela imoral premiação do traidor. Tinha a sensação de ver a
imagem repugnante do dedo-duro. Era a reação ao ver se transformar em pó para,
em seguida, o vento dissipar tudo quanto aprendi com meus pais e mestres e nos
embates da vida. Enfim, muitas coisas alicerçadas na ordem jurídica em marcha
acelerada a me causar desconforto. Mas como em tudo, esse impacto inicial foi
dando lugar a reflexões sobre novas concepções diante da realidade concreta.
Por exemplo, faz pouco, o Mensalão do PT, agora, o Mensalão da Petrobras.
Percebi, também, embora sem metodologia científica, que existem dois tipos de
delatores. No primeiro grupo estão aqueles que delatam os companheiros dos
malfeitos, para os quais juraram fidelidade até a morte. São aqueles que vão
além da verdade infracional em troca de benefício pessoal. Em suma, entregam o
“serviço” e, sem escrúpulo, vingam-se daqueles que não gostam. São os
pusilânimes. Já no segundo grupo estão aqueles que ainda conservam, à falta de
melhor conceituação, um pouco de pudor. São, pois, os delatores fidedignos das
malfeitorias, porém, sem envolver nomes de terceiros e sem fazer do instituto
um instrumento de vingança. Tudo fica limitado ao favorecimento pessoal diante
do temor da ação penal. Poderia trazer à baila nomes que identificam os dois
tipos. Limito-me, porém, a citar exemplos, um na esfera estadual (Detran),
outro nacional (Mensalão), facilmente identificáveis. No caso ocorrido no RS, o
exemplo é o de um conhecido lobista, identificado como empresário, que fez da
delação premiada instrumento de vingança contra aqueles que, quando a casa
caiu, o teriam abandonado. Já no caso de Brasília, o delator, sem se beneficiar
do instituto, prestou um serviço à Nação. Aliás, sem sua “entrega” jamais teria
sido desvendado o maior escândalo político até hoje, e corruptos de colarinho
branco não teriam formado uma nova bancada, a bancada da Papuda.
A bem da verdade, o instituto da delação premiada não
é novo. Surgiu nas Ordenações Filipinas (Código compilado por Felipe II, da
Espanha; Felipe I, de Portugal; adotado por D. João IV), através do qual o
agente que confessasse a inconfidência ou que a qualquer momento a revelasse,
era perdoado. Na época, os crimes eram outros: ampliação territorial,
implantação de colônias, ocupação de terras etc. No Brasil, o embrião do
instituto começou ainda no Império. Mas o grande impulso, que levou a reboque
Legislativo e Executivo, foi dado pela jurisprudência. Em apertada síntese, são
os seguintes os Diplomas a respeito: 1) Lei dos Crimes Hediondos (nº 8.072/90);
2) Lei dos Crimes Organizados (nº 9.034/95); 3) Lei dos Crimes Tributários (nº
8.137/90); 4) Lei dos Crimes do Sistema Financeiro (nº 7.497/86); 5) Lei de
Lavagem de Capitais (nº 9.613/98); 6) Lei de Proteção das Vítimas e Testemunhas
( nº 9.807/99; 7) Lei de Tóxicos (nº 10.409/02, já revogada); 8) Lei de Drogas
(nº 11.343/06). É possível que, no cipoal de leis, alguma tenha ficado de fora.
A tendência é a consolidação da delação premiada.
Ocorre, no entanto, que eu – friso - me encontro umbilicalmente preso a valores
éticos. Mas, afinal, o que é ética? Para Mário Sérgio Cortella “é o conjunto de
valores e princípios que você e eu utilizamos em nossa conduta”. Salvo melhor
juízo, o filósofo/professor da USP está a rejeitar a ética individual em
obediência à ética coletiva. No entanto, a conduta coletiva também pode mudar,
e com frequência muda. Por exemplo: até bem pouco, fumar em lugar público era
um direito do indivíduo. Hoje, fumar no mesmo local é proibido. É o novo
comportamento individual submetido a uma conduta coletiva.
A delação premiada passou a pautar a agenda da Justiça dada
evolução do crime organizado, o qual, sem limites às vítimas, evoluiu acima da
evolução dos órgãos oficiais. E nessa correlação de forças, o Estado perdeu a
batalha. Daí a delação. E mais. Os próximos passos serão prisão perpétua e pena
de morte. Opa! É isso mesmo. Quem viver,
verá.
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