quarta-feira, 25 de março de 2015

DELAÇÃO PREMIADA

   Delação premiada, expressão até bem pouco desconhecida, passou a fazer parte da agenda da Justiça. Confesso que, quando o favor legal começou a ganhar manchetes, senti repugnância. Quando alguém manifestava interesse em valer-se do benefício, vinha-me à mente a transmutação do fundamento ético pela imoral premiação do traidor. Tinha a sensação de ver a imagem repugnante do dedo-duro. Era a reação ao ver se transformar em pó para, em seguida, o vento dissipar tudo quanto aprendi com meus pais e mestres e nos embates da vida. Enfim, muitas coisas alicerçadas na ordem jurídica em marcha acelerada a me causar desconforto. Mas como em tudo, esse impacto inicial foi dando lugar a reflexões sobre novas concepções diante da realidade concreta. Por exemplo, faz pouco, o Mensalão do PT, agora, o Mensalão da Petrobras. Percebi, também, embora sem metodologia científica, que existem dois tipos de delatores. No primeiro grupo estão aqueles que delatam os companheiros dos malfeitos, para os quais juraram fidelidade até a morte. São aqueles que vão além da verdade infracional em troca de benefício pessoal. Em suma, entregam o “serviço” e, sem escrúpulo, vingam-se daqueles que não gostam. São os pusilânimes. Já no segundo grupo estão aqueles que ainda conservam, à falta de melhor conceituação, um pouco de pudor. São, pois, os delatores fidedignos das malfeitorias, porém, sem envolver nomes de terceiros e sem fazer do instituto um instrumento de vingança. Tudo fica limitado ao favorecimento pessoal diante do temor da ação penal. Poderia trazer à baila nomes que identificam os dois tipos. Limito-me, porém, a citar exemplos, um na esfera estadual (Detran), outro nacional (Mensalão), facilmente identificáveis. No caso ocorrido no RS, o exemplo é o de um conhecido lobista, identificado como empresário, que fez da delação premiada instrumento de vingança contra aqueles que, quando a casa caiu, o teriam abandonado. Já no caso de Brasília, o delator, sem se beneficiar do instituto, prestou um serviço à Nação. Aliás, sem sua “entrega” jamais teria sido desvendado o maior escândalo político até hoje, e corruptos de colarinho branco não teriam formado uma nova bancada, a bancada da Papuda.
   A bem da verdade, o instituto da delação premiada não é novo. Surgiu nas Ordenações Filipinas (Código compilado por Felipe II, da Espanha; Felipe I, de Portugal; adotado por D. João IV), através do qual o agente que confessasse a inconfidência ou que a qualquer momento a revelasse, era perdoado. Na época, os crimes eram outros: ampliação territorial, implantação de colônias, ocupação de terras etc. No Brasil, o embrião do instituto começou ainda no Império. Mas o grande impulso, que levou a reboque Legislativo e Executivo, foi dado pela jurisprudência. Em apertada síntese, são os seguintes os Diplomas a respeito: 1) Lei dos Crimes Hediondos (nº 8.072/90); 2) Lei dos Crimes Organizados (nº 9.034/95); 3) Lei dos Crimes Tributários (nº 8.137/90); 4) Lei dos Crimes do Sistema Financeiro (nº 7.497/86); 5) Lei de Lavagem de Capitais (nº 9.613/98); 6) Lei de Proteção das Vítimas e Testemunhas ( nº 9.807/99; 7) Lei de Tóxicos (nº 10.409/02, já revogada); 8) Lei de Drogas (nº 11.343/06). É possível que, no cipoal de leis, alguma tenha ficado de fora.
   A tendência é a consolidação da delação premiada. Ocorre, no entanto, que eu – friso - me encontro umbilicalmente preso a valores éticos. Mas, afinal, o que é ética? Para Mário Sérgio Cortella “é o conjunto de valores e princípios que você e eu utilizamos em nossa conduta”. Salvo melhor juízo, o filósofo/professor da USP está a rejeitar a ética individual em obediência à ética coletiva. No entanto, a conduta coletiva também pode mudar, e com frequência muda. Por exemplo: até bem pouco, fumar em lugar público era um direito do indivíduo. Hoje, fumar no mesmo local é proibido. É o novo comportamento individual submetido a uma conduta coletiva.


   A delação premiada passou a pautar a agenda da Justiça dada evolução do crime organizado, o qual, sem limites às vítimas, evoluiu acima da evolução dos órgãos oficiais. E nessa correlação de forças, o Estado perdeu a batalha. Daí a delação. E mais. Os próximos passos serão prisão perpétua e pena de morte. Opa!  É isso mesmo. Quem viver, verá.

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