A palavra privilégio, mesmo com suas
variáveis conotações, desemboca em vantagem, prerrogativa ou outro adjetivo que
se queira conferir a um indivíduo ou grupo de indivíduos. No entanto, toda vez
que alguma benesse, regalia ou algo que o valha é concedido a alguém, outro será
preterido, quando não, relegado a uma classe inferior. É ínsita, pois, à ideia
de benefício para uns e prejuízo para outros. Ora, o direito de furar a fila,
passando do 10º lugar para 1º, transforma-se em prejuízo para nove pessoas que
estavam à frente. O feriadão no serviço público, que os trabalhadores da
iniciativa privada não tem, privilegia o servidor público. Sem falar da CF que,
nos crimes de parlamentares, dá a palavra final à corporação, não à Justiça.
No século 5 a.C, quando foi
formalizada a democracia, mesmo sendo proposta para tornar o regime com a
característica de oposição a privilégios da época, para os padrões de hoje
seria antidemocrática e, pois, consagradora de privilégios. Pela sua concepção
original, era cidadão apenas: grego, livre, homem e maior de 35 anos. Quer
dizer, excluía muito mais do que incluía. Logo, manteve privilégios. Aliás, a
exclusão nascida no berço da cultura se expandiu, tanto que as mulheres, mesmo
em países avançados, só tiveram direitos, como ao voto, séculos depois.
No Brasil, usando a democracia em
benefício próprio, privilégios foram criados. Alguns, inclusive, escritos na
Carta da República de 1988 como, por exemplo, o foro privilegiado que, com as
revelações da operação Lava-Jato, todo mundo passou a conhecer e a repugnar.
Hoje, são 45 mil brasileiros com esse direito, quando deveria estar limitado a
poucos além dos presidentes dos três poderes.
É o que o senador Álvaro Dias (Pode/PR), autor da PEC que objetiva
reduzir drasticamente o número desses cidadãos de 1ª classe, denominou
“instituto da impunidade”.
Por que instituto da impunidade?
Porque, amparada em norma constitucional, há uma casta que se albergou no foro
privilegiado para se beneficiar quando implicada em crimes, e isso deságua na
impunidade. Muitos homens públicos têm essa benesse, o que lhes dá o direito,
na hipótese de apuração de crimes, que o seja pelo STF. Então, o Pretório
Excelso seria condescendente com criminosos?
Não chego a tanto. Prefiro debitar à
Corte a falta de estrutura e de vocação para feitos penais, pesando, contra
ela, sim, o fato de os ministros dos tribunais superiores serem nomeados por
critério político, ainda que a CF exija notório saber. Os números não mentem:
segundo a FGV, entre 2011 e 2016 menos de 1% das ações contra privilegiados
levaram à condenação e 68% não chegaram à conclusão.
E ainda tem-se a prescrição. É outra
tábua de salvação de corruptos. Com bons advogados e com a letargia do STF,
políticos apostam na prescrição (perda do direito do Estado punir). E, uma vez
alcançada, na maior cara de pau, se proclamam absolvidos, quando são meros
beneficiários de leis amigas e juízes tardinheiros (Ruy).
Enquanto vigir foro privilegiado,
existirão brasileiros de 1ª e 2ª classes. Por isso, Renan Calheiros (PMDB/1ª
classe), que responde a 17 processos perante o STF, alguns faz mais de 10 anos,
continua dando as cartas e jogando de mão.
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